VEJAM BEM

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

ESTÓRIAS DA SOLTEIRICE

Depois de uma separação surgiu a oportunidade de fazer um "self made curso intensivo de adaptação à escravatura feminina". Se antes da separação, que já ocorreu há 7 anos, pensava que não seria capaz de viver sozinho, hoje sinto-me como peixe na água. Falo das tarefas e da convivência com a solidão, o mesmo não digo da dificuldade financeira de quem tem todos os encargos da casa a sair de uma só carteira. É difícil pagar casa, água, luz, gás, alimentação, roupa, carro e algum para poder sorrir. Mas como tristezas não pagam dívidas, o melhor é olhar a vida de frente sorrindo e fazendo o possível para que não nos apareça nenhuma fossa na estrada, cair seria pior.
É frequente ver expressões de espanto quando digo que moro sozinho. Houve inclusivamente uma senhora que depois de me tirar as medidas todas, me perguntou: — António, quem lhe passa as camisas?
Nessas situações brinco com as pessoas dizendo que a D. Fátima é a minha empregada doméstica mas nunca apareceu um dia ao trabalho, ora tenho que ser eu a fazer tudo. Principalmente as mulheres ficam espantadas quando digo que não como sandes, cozinho refeições completas e por vezes algumas bem complexas. Os homens chamam-me coisas como corajoso, paciente, ou masoquista, mas não é nada disso!
A minha mãe nunca quis homens na cozinha, criticou-me quando disse que no meu casamento ajudava a mulher nas lidas da casa. "Enquanto houver mulheres na casa, o homem não faz tarefas domésticas!" ouvi esta frase algumas vezes. Se no princípio tive alguns problemas com a solidão e organização, hoje gosto de chegar a casa e saber que aquele espaço é meu e ninguém me diz o que fazer dele, ou como actuar.
Pela dificuldade financeira de uma pessoa a morar só, passei cerca de 4 anos a lavar a roupa à mão, um castigo sério. Comprei muita roupa interior e camisas para que não me faltasse roupa lavada, tinha sempre uma pilha de roupa para lavar, depois de comprar a máquina passei a ter uma pilha de roupa para engomar e na primeira vez que lavei as calças de ganga, as que costumava lavar à mão, a água ficou imunda, pois a lavagem à mão, mesmo com uma escova nunca é tão eficaz como a máquina de lavar roupa.
Aspirador só tenho há meses, antes era a vassoura o que significa dores nas costas e voltar várias vezes atrás para recuperar o lixo que voou. Agora é mais fácil, muito mais fácil, aspira, passa a esfregona com água morna e um detergente a cheirar a sabão natural. Até dá gosto ler um livro no sofá, envolto na fragrância da limpeza do nosso recanto.
Até as tarefas que me desagradavam passaram a ser simpáticas porque adoptei o método de limpar imediatamente a seguir. Limpar o fogão era um martírio, secava, era complicado, ficava sempre sujo com salpicos de gordura. Por várias razões: porque fazia muitos fritos que são prejudiciais à saúde e porque não limpava o fogão enquanto estava fresco. Não deixar para amanhã o que se pode fazer hoje, é a melhor solução. A limpeza da casa de banho é outro ritual diário, gosto de dois banhos por dia, um de manhã, esse é imprescindível, nem que seja de água fria, outro à noite, antes de dormir. O da noite é relaxante, o da manhã, despertador.
A cozinha é o meu espaço preferido da casa. Desenvolvi um especial gosto pela actividade gourmet, de forma que fins-de-semana e dias de folga, experimento novas receitas. Não sendo vegetariano, ou nada que se pareça, gosto de vegetais e uso-os muito como acompanhamento, ou recheio. Também inverto as posições de forma a variar as minhas receitas. Peixe com sabor intenso é marinado em muito limão e alho no dia anterior, carne picada é devidamente temperada uma ou duas horas antes e depois fica muito bem recheando um pimento grande, sempre com uns dentes de alho. Uma cama de cebola na assadeira, azeite puro trazido de Grândola, o pimento em cima e há que levar ao forno.
Não me falem em quantidades porque faço tudo a olho, para uma pessoa só a precisão das medidas é dispensada. Mas por vezes acontece que não compensa fazer um prato só, não há problema, faz-se mais quantidade e congela-se em doses que ficarão prontas para em qualquer altura descongelar e ter uma refeição pronta, que no microondas é aquecida sem alterar o sabor.
Realizei um sonho! Sempre quis ter uma faca de cozinheiro, tinha uma boa faca de cozinha, mas não era aquela ferramenta desejada. Comprei uma e nos dias seguintes parecia um miúdo ansioso por usar o brinquedo novo. É realmente um prazer cozinhar e adquirir novas técnicas. Nunca fui cozinheiro profissional, os primeiros passos foram nos Escuteiros, era cozinheiro da patrulha, mas a cozinha no campo é fácil e rápida, não vem daí o fascínio pela actividade. Quando um homem se vê solteiro e gosta de bons acepipes, informa-se para os fazer e vai ganhando o jeito. Quando conheci a minha actual companheira aprendi a comer de forma mais saudável e variada porque ela o faz e o facto de ela morar numa zona do país diferente enriqueceu-me o conhecimento em relação a receitas e ingredientes. Dei por mim a plantar manjericão nos vasos para temperar a comida ou para fazer o molho "pesto" que dá um excelente gosto às massas. O "pesto" aguenta-se bem no frigorífico e é muito fácil de fazer: coloca-se num recipiente as folhas de manjericão ou manjerico com uns dentes de alho, azeite e sal. Quem gosta pode adicionar um pouco de malagueta e moem-se os ingredientes juntos com a varinha mágica, fica uma pasta que adicionada ao esparguete simplesmente cozido lhe dá um sabor mediterrânico. Comer bem é muito fácil e descobrimos novos sabores que nos darão alento para continuar a procura da saúde através do estômago.
Disse adeus aos fritos e ao óleo vegetal, abri as portas às courgetes, às beringelas, às várias espécies de couves e repolhos que cozidos e gratinados são o melhor acompanhamento para um peixe grelhado ou para um bife mal passado. Outra descoberta importante e saborosa foi o sushi, o problema é encontrar os ingredientes apropriados à venda perto de nós, mas a capacidade inventiva pode resolver o problema. Estava intrigado como os japoneses conseguem fazer rolinhos de arroz que não se desmancham. Simples; num recipiente pequeno leva-se ao lume vinagre de arroz com açúcar, o que vai fazer uma espécie de goma que se acrescenta ao arroz depois de cozido e o torna fácil de moldar. O açúcar anula o ácido do vinagre e vice-versa, ficamos com uma cola sem sabor. Precisamos de uma esteira de bambu para ajudar a enrolar, coloca-se a alga "nori" desidratada na esteira, o arroz espalhado em cima e no centro o peixe cru. Uso o salmão por ser um dos alimentos mais ricos em ómega 3, corto-o às tirinhas e geralmente acompanho com um vegetal ou uma tira de manga para desenjoar. Enrolo e a humidade do arroz vai ajudar a colar a alga, fico com um rolinho, que com a minha afiada faca de chefe corto os pequenos cilindros. Como com pauzinhos que são óptimos para molhar "sushi" na tigela com molho de soja antes de levar à boca.
É realmente um gosto enorme cozinhar e saber do assunto, por exemplo: pouca gente sabe que "sushi" não é o peixe cru, mas sim a forma como se cozinha o arroz que o acompanha. Quando a minha companheira está comigo, ela só lava a loiça porque sou eu sempre a mostrar-lhe os recentes conhecimentos adquiridos, ou experiências e como nos acampamentos de Escuteiros temos uma regra: "Cozinheiro nunca lava loiça", na minha casa funciona assim, a não ser quando estou sozinho, como a D. Fátima não aparece, lavo eu, que remédio!
Já agora e para que conste, hoje o meu jantar será saboroso: grelhei duas postas de espadarte que tinham estado uma noite a marinar com limão, alhos, pimentos às tirinhas e pimenta, mas eram postas enormes. Como estavam agarradas e tive que as descongelar, cozinhei-as todas e reservei no congelador. Hoje vou cozer uns brócolos e uma batata e aqueço o peixe no microondas, acompanho com chá quente e voilá!
Embora goste e até saiba aplicar o vinho em conformidade com a comida, não tenho vinho em casa e acompanho as refeições com água, ou chá. A razão é que tenho uma enorme propensão para engordar e o vinho engorda muito, por outro lado, uma bebida quente depois da refeição dissolve as gorduras na digestão e não permite que se acumulem provocando colesterol.
Para tudo isto, para que a minha solteirice não se traduza em desorganização, há que ter regras e cumpri-las. Na verdade, dá-me um gozo enorme ver semblantes de espanto quando convido alguém para ir lá a casa.

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá, Amigo António !

Acabei de receber a simpática mensagem de correio electrónico e vim a correr espreitar o seu blogue. Fiquei deliciado com os pormenores narrativos desta 'estória' e dou-lhe os parabéns pela escrita e pela coragem de assumir essa 'solteirice'.
Eu não tenho blogue, mas tenho um Grupo MSN considerado interessante. Deixo aqui o 'link' para lá ir espreitar entre um cozinhado e uma aspiradela na casa...

Abraço desde Sintra

http://groups.msn.com/TUDOEMPORTUGAL/messageboard

Anónimo disse...

Amigo, a tua destreza cultural deixa muita gente com dor de corno, mas nao ligues, tu sabes que esta Povoa de Varzim nao passa de uma aldeia de incultos.

Quem te fala por ras, respeita-te pela frente